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Entrevista inclusiva com Joel Pizzini

“O Cinema me salvou , foi a conclusão que cheguei. Salvou da mediocridade”

Nasci em 1960 no Rio, mas aos 6 meses de idade caí em Mato Grosso do Sul, Dourados, que é uma cidade quase na fronteira com o Paraguai. Minha infância foi toda lá, subindo em pé de abacate, brincando muito no quintal, me servindo da amplidão. Acho que foi importante essa infância livre. É o momento que você aprende a brincar, o momento do jogo. E isso de algum modo está no meu trabalho, presentificando a idéia do meu cinema que tem uma veia lírica, que tem algo de lúdico, que almeja o prazer estético. Isso tudo vem um pouco de uma infância reinventada. Então o Rio é a ficção que eu estou vivenciando agora.

No interior você não sabe direito qual vai ser “o seu curso”, daí, eu inadvertidamente caí lá na faculdade de Engenharia, na Universidade Federal de Mato Grosso. Lá tinha o Cineclube Coxiponés, que é o mesmo por trás do Festival de Cuiabá. Comecei a ver filmes e falei: “o que estou fazendo na engenharia?”. E fui trancando as matérias exatas: “Cálculo 1”, “Cálculo 2”...

Eu procurava algo nas artes, mas não tinha muita informação, nem muita referência. Aí fui assistir a uma palestra da Cremilda Araújo Medina, editora do Suplemento cultural do Estadão na época. Vi e fiquei alucinado. Isso aí era 1979, 1978, início da abertura política no Brasil, quando a imprensa tinha algo de utópico que atraia todos os que queriam expressar sua inquietação. Falei: “nossa, é por aqui, está esquentando...”. Decidi ir para Curitiba, onde tinha Jornalismo e Sociologia, dois cursos que eu perseguia. Através deles se deflagrou toda minha possibilidade/janela para o cinema. Havia um diretório super-ativo e me envolvi no movimento estudantil; fui vice-presidente do diretório da universidade que englobava 12 cursos da área de humanas e organizamos várias atividades. Tinha uma disciplina de cinema no curso de comunicação e fiz experiências em super-8. Acabei me aproximando muito da Cinemateca de Curitiba, que tinha uma programação intensa ligada a filmes europeus. Assim, comecei a perceber uma outra luz no cinema, além do circuito normal. Me aproximei do Instituto Goethe, Aliança Francesa e comecei a organizar programações e seminários ligados à Cinemateca.

E foi em 1979 que assisti a “Limite”, do Mário Peixoto. Foi um acontecimento, um divisor de águas pra mim, pois desde a adolescência cometia meus poemas e percebi naquele momento que podia fazer isso no cinema. Pela primeira vez eu tinha visto um filme essencialmente poético, fui inundado por imagens sem uma narrativa linear, sem concatenar uma história, uma trama. É claro, fiquei muito tocado, a ponto de decidir, inconscientemente, a fazer cinema naquele momento.

Acabei caindo na aventura de ser assistente de direção de um filme sobre a Guerra do Paraguai, “A Guerra do Brasil”, de Sílvio Back, feito em Mato Grosso do Sul. Foi legal ter participado, mas o “Limite” continuou na minha cabeça. Falei: “Não sei se eu quero exatamente documentário, no sentido jornalístico da palavra”.

Decidi procurar o Mário Peixoto, descobri que ele estava vivo. Terminei o curso de jornalismo, fui até casa dele em Angra dos Reis e me tornei seu amigo. Nesse encontro surgiu a vontade de fazer um documentário sobre ele. Escrevi um projeto e tal, mas não vingou. Na verdade, a amizade impediu que eu ficasse ali, fazendo um registro realista da história daquele cara. O que me interessava era o mistério de “Limite”, como um garoto de 20 e poucos anos tinha feito o filme mais radical já feito no Brasil e que até hoje é um enigma. Então da amizade nasceu um projeto de ficção, que é meu projeto de vida atual, “Mundéu, a Invenção de Limite”. Alinhavando um ciclo agora, o filme que me abriu a janela para o cinema vai fazer a minha entrada na ficção, com atores, essa história toda. De Curitiba fui morar em Campo Grande, onde me envolvi no movimento cineclubista, fazendo sessões na rua, nos bares. Eu tinha uma inquietação do “fazer” e aí veio o meu lado “pesquisador”, algo sempre junto com o “cineasta”. Sou fascinado pela força transformadora da memória, sobre as questões do tempo. Então soube de um filme chamado “Alma do Brasil”, de 1932, sobre a Retirada da Laguna e feito em Campo Grande. Foi a primeira produção sonorizada de reconstituição histórica no Brasil e o pesquisador José Octávio Guizo escreveu um livro sobre esse ele. Acompanhei a confecção do livro e acabei realizando, com Sandra Menezes, um vídeo a partir desta experiência. Isso em 1982, ainda nem tinha essa tradição do makingoff, mas a gente foi atrás dos realizadores do filme. Com esse vídeo, “Alma em Revista” viajamos, fomos pra Jornada da Bahia e comecei a freqüentar o ambiente de festivais.
 
Durante o “Guerra do Brasil”, a equipe que estava em Campo Grande me estimulou a sair de lá. A Eliane Bandeira, que depois produziu meu primeiro filme, foi uma pessoa chave, que disse: “Joel, você tem que ir para São Paulo”. Aí eu me atirei para lá. Era a época que a Embrafilme agonizava, mas que ainda tinha uma certa produção. E havia os chamados “malditos” produzidos por ela que eram mal lançados, que eram o Rogério Sganzerla, o Júlio Bressane....“Brás Cubas”, por exemplo, foi um filme que eu trabalhei na divulgação. Eu ia lá para escrever release. Depois organizei uma mostra do Bressane no Cine Sesc, o que era uma maneira de ter contato com os autores.

Então, falei: “puxa, estou agora aqui, conheço o instrumental, o caminho das pedras. Eu preciso fazer um projeto”. Escrevi o “Caramujo Flor”, resultado do primeiro encontro que tive com o poeta Manoel de Barros, em Campo Grande. Mesmo tendo pertencido a geração de 45 no Rio, convivendo com João Cabral e Drummond, ele estava em absoluto anonimato, meio século distante do circuito da literatura, pois, com a morte do pai, teve que voltar para Corumbá e cuidar da fazenda. Fiquei encantado quando o conheci, completamente ilhado/afastado do eixo/do burburinho da criação literária brasileira.

Escrevi um projeto de um curta-metragem, apresentei na Embrafilme, e foi aprovado. Daí começou minha primeira aventura e utopia naquele momento. Eu queria trazer os intérpretes da alma de Mato Grosso, aquelas figuras que podiam encarnar um pouco do sujeito da poesia do Manoel de Barros. Acabei convidando o Ney Matogrosso, Rubens Correa, Aracy Balabanian, Almir Sater e todos viviam fora do Estado. Era uma produção mais cara do que o orçamento previa. Então eu decidi fazer um movimento – olha como são incríveis as coisas – para provar que o Manoel era importante e conseguir apoios complementares - saí acenando com os seus poemas e para tanto, ele escrevia sua “biografia” para mim. Parte da Grande Imprensa se recusou a publicá-los porque era desconhecido e hoje o Manoel é traduzido no mundo inteiro.

O filme foi feito na maneira que eu queria e teve um impacto além do que eu esperava, com prêmios em Brasília. Foi um susto, não esperava aquela repercussão. Aí eu me animei, naturalmente. As portas estavam abertas e escrevi meu primeiro longa, com a Eliane Bandeira chamado “Ave Sucksdorff ”, sobre o naturalista-cineasta sueco que abandonou uma carreira bem sucedida na Europa por se apaixonar por uma descendente de índios do Pantanal. E eu também me tornei amigo dele quando eu morava em Cuiabá, freqüentava a casa dele. Era uma história incrível que eu achava que precisava ser contada. O projeto também foi aprovado pela Embrafilme, só que veio a Era Collor e a interdição total. Tudo foi simplesmente deletado.

A partir daí passei a viver uma Idade Média, de 1988 até 1994 sem filmar. Não tinha espaço para mais ninguém que quisesse fazer poesia no Brasil. O único caminho era publicidade, e eu me recusei, não me senti à vontade. Então ficamos no limbo, toda uma geração de autores na eminência de dar o passo seguinte natural.Voltei para o Mato Grosso e me envolvi em outras atividades ligadas à arte, trabalhando como diretor da Fundação de Cultura do Estado.  Isso me salvou porque não me desviei do métier, num período sem horizonte nenhum.

Em 1993/94, houve o primeiro edital através da Lei Rouanet. Inscrevi um projeto, “O Enigma de Um Dia” e foi aprovado. Comecei então a me preparar para retornar ao meu curso e “O Enigma” teve uma grande importância simbólica. Além de voltar a trilhar meu caminho, foi também o retorno do (ator) Leonardo Villar, afastado há quase 30 anos por outras razões (não tinha mais papéis para ele; recusa em fazer pornochanchada,  etc), e do (fotógrafo) Mário Carneiro, que teve que ir para televisão e que estava há 10 anos sem fazer cinema. Houve toda uma convergência e estávamos com muita gana para fazer um filme autenticando o nosso espaço. A partir dali, não teria mais volta. E foi o que aconteceu: “O Enigma” teve também uma repercussão desconcertante para mim. Foi para Bienal de Veneza, selecionado com “A Ostra e o Vento” (de Walter Lima Jr.), numa competição que há 10 anos o Brasil não participava, tanto em longas, quanto em curtas, para você ver como o hiato foi imenso em todas as áreas. E, assim,  muitos caminhos se abriram e voltei a respirar. É bom pontuar que quando fazia “O Enigma” fui procurar o (pintor) Iberê Camargo. Queria convidá-lo para participar do curta, porque ele tinha sido aluno do Giorgio de Chirico, em Roma. Ele me recebeu num ateliê em Porto Alegre, assistiu ao “Caramujo Flor” e fez comentários interessantes como: “o filme não era fórmula 1”. Mas me disse: “gostei muito do seu trabalho, mas não tenho menor interesse de participar dele, porque meu mestre está morto e paguei todas as aulas. Mas se você quiser fazer um filme sobre a minha obra a gente conversa...”. Fiquei meio desconcertado, mas me dei conta de que eu estava convidando um mestre como discípulo. E o cara estava no apogeu de sua arte. Aí eu aceitei esse desafio e eu retardei o começo e “O Enigma de um Dia”, decidindo a abraçar o documentário “O Pintor” (aliás, premiado na Mostra do Filme Livre). Chamei o Mário Carneiro, que tinha sido aluno de Iberê, e foi uma experiência muito interessante em vídeo (embora filmado em 16 mm). Na época você tinha dificuldade em montar, voltar e refazer alguma seqüência, porque era tudo linear ainda. Seguiram, além d’ “O Enigma”, o “Pig Bank” em 1996, também premiado na Mostra do Filme Livre, e “Glauces - Estudos de um Rosto”, de 2001.

Nesse intervalo entre 1996 e 2001, fui convidado pelo Canal Brasil a realizar uma série de cinebiografias, porque eles precisavam fazer um documentário/retrato sobre o Leonardo Villar. E devido ao “O Enigma de um Dia”, fui convidado. Foi uma experiência interessante porque ainda não havia muito incentivo à produção de cinema, a coisa era muito rarefeita. E o Canal Brasil me possibilitou toda uma abertura para fazer experiência na televisão. Então no filme “Um Homem Só”, com a fotografia de Mário Carneiro também, fiz um ensaio documental não só sobre o Leonardo Villar, mas sobre a solidão, sobre um ator popular graças ao “Pagador de Promessas”, o único filme brasileiro que ganhou Palma de Ouro em Cannes, e que, de repente, estava completamente no limbo. E isso com toda liberdade que eles permitiram, o filme teve uma ressonância muito grande.

Automaticamente, o canal passou a me convidar para fazer uma série de trabalhos. Eu fiz “O Evangelho Segundo Jece Valadão”, uma versão chamada “Glauces, Estudo de um Corpo”, que partia do outro “Glauces”, mas era uma versão com Sérgio Mamberti, que se apropriava mais à linguagem da televisão. Fiz, também, o “Autoretrato brasileiro” sobre o universo criativo existencial de Paulo José. Depois o “Retrato da Terra”, sobre o Glauber, e “Elogio da Luz”, sobre Rogério Sganzerla (co-direção com a Paloma Rocha).

Aí voltou a vontade de fazer um longa, que foi abortada na Era Collor. Eu tinha o projeto de um filme a partir do meu imaginário de Mato Grosso, da convivência que tive com a cultura indígena em Dourados (Mato Grosso do Sul é a segunda maior população indígena do Brasil). Fazia parte do meu cotidiano e tinha vários amigos índios. Comecei a escrever um projeto, mas nunca ficava à vontade, pois não queria fazer um filme sobre “índio”. Não me sentia autorizado a isso, não sou antropólogo e tal. Consegui encontrar um mote narrativo, dando seqüência a essas minhas pesquisas e ações sobre os mistérios da memória. Escrevi então o “500 Almas”.

Antes de eu levá-lo para uma produtora, apresentei o projeto para um concurso da Fundação Rockefeller e ele foi aprovado. Isso possibilitou que eu viajasse à Europa para pesquisar o acervo de uma cultura indígena milenar, que havida sido decretada extinta. Em um museu na Alemanha encontrei um vastíssimo acervo, mais de 300 peças sobre os guatós. Fui visitá-los na ilha Ínsua, no Pantanal, e comecei a amadurecer esse projeto, então aprovado pela Lei do Audiovisual e que me consumiu uns cinco anos de trabalho.

Havia a veia do jornalista, do pesquisador e a vontade fazer um filme com caráter político, porque percebi a necessidade de contar aquela história. Por outro lado, havia a exigência do poeta, que não se contentava a fazer um panfleto, a fazer um filme discursivo. Então eu procurei equacionar, até encontrar uma palavra chamada “etnopoesia”, que me deixou à vontade para fazer o filme. Pois acho que fiz um filme de prosa poética que contém a informação, mas que deu seqüência à minha investigação estética. O filme transcendeu o meu medo de cair na cilada de fazer etnografia sem ser antropólogo ou algo datado, circunstanciado ali numa história.

Finalmente, “500 Almas” conseguiu chegar no circuito, distribuído pela Riofilme. Foi um milagre. Teve uma repercussão internacional e isso foi importante para a circulação do filme. Ganhou o Festival de Mar de del Plata, foi adquirido pelo moma em Nova York, o que deu uma dimensão artística ao filme, coisa que eu ambicionava muito. Ele ainda ele não foi devidamente distribuído em dvd e televisão, mas creio que venho cumprindo o seu papel.

Mas isso de se envolver em projetos que levam cinco anos nunca deve ser uma receita. “500 Almas” foi uma coisa atípica que eu não quero repetir. Porque tem uma coisa urgente que você quer se expressar, quer fazer. A coisa está na sua frente. A partir daí, eu senti necessidade de fazer uma nova experiência. Falei “poxa, agora quero fazer um filme sobre nada”. E o “nada” é o puro território da poesia também.

Eu havia feito uma vídeo-instalação para os 50 anos da Bienal de São Paulo, em que fiz imagens para serem assistidas em pares de olhos mágicos (esses que têm nas portas). Só que não me contentei daquilo ter sido reduzido àquela data. As imagens continuaram me inquietando, me perseguindo, até o momento que eu falei “eu preciso fazer um filme com isso, dar uma dimensão maior”. E, num encontro com Itamar Assunção, ele tinha composto uma música para mim a partir de um trecho de uma carta do Mário de Andrade. E aquilo insistia em me perseguir.

Aí escrevi o projeto do curta “Dormente” no edital da Petrobrás e fui aprovado. Voltei a filmar nesse ambiente ferroviário, o trem que, aliás, é um signo de todo o meu trabalho, praticamente um fetiche, o que fui ter consciência depois. E, que é relativo à infância do próprio cinema, em que a primeira imagem pública que se conhece é a chegada do trem na estação, dos irmãos Lumiére. Enfim, é o signo do movimento, da dimensão do movimento. E “Dormente” tem esse nome ambíguo, sobre o estado de dormência que acometa o passageiro enquanto espera o trem, assim como remete às vigas de madeira onde são assentados os trilhos. O filme também viajou muito, foi para o Festival de Oberhausen, que adquiriu uma cópia para seu acervo, pois perceberam um diálogo com a obra do (cineasta russo) Dziga Vertov – que eu tinha realmente incorporado, particularmente de um filme menos conhecido, “Entusiasmo”. Este reconhecimento me deixou aliviado em relação a essa sombra do “sobre”. Acho todos que lidam com o documentário precisam estar atentos a não ficar na sombra do objeto, senão você fica refém do tema.

Paralelamente fui desenvolvendo um trabalho ligado a vídeo-instalações e performances. Comecei também a desenvolver uma série de outros projetos ligados à fotografia e agora estou também envolvido aos projetos de restauração do Tempo Glauber. É fascinante porque você trabalha com a memória do ponto de vista material, reconstruindo um filme que não tem mais negativos a partir de diversas fontes. Eu acredito muito que a vanguarda pode estar na retaguarda também, na medida em que você passa um espanador nesses negativos, nesses filmes que foram perdidos no tempo. E eles voltam, eles se oxigenam e trazem toda uma eletricidade que se perdeu no tempo, assimilando o que tem de melhor neles, o que não envelheceu, o que perpetua, o que não foi devidamente digerido. E fiz o “Anabazys” também com a Paloma Rocha, que é um longa que nasceu de um extra de dvd para o relançamento de “A Idade da Terra” (o último filme de Glauber Rocha). O material bruto tinha muitas filmagens a mais e nós tivemos acesso a todas as sobras, horas e horas. Acesso também aos copiões. Tinha uma primeira versão de quatro horas do Glauber. Como Ricardo Mirando tinha sido o montador, então ele re-sincronizou vários trechos esta versão. Então, nossa, tínhamos um material maravilhoso.

E olha só a história: o dvd caiu na mão de uma diretora de um festival lá em Friburgo, na Suíça, que achou bacana. E como ela foi trabalhar em Veneza como assessora do Marco Miller, levou o dvd pra lá. O Marco assistiu, ficou impactado e tal, e o convidou o nosso extra como um filme oficial! A gente falou “mas não é um filme...” e ele disse: “isso daqui não é um dvd, é um musical!”. Ele queria do jeito que estava, mas tínhamos a consciência de que havia  certa limitação, inevitável do dvd, dividido em blocos, interrompido etc. Fomos montando, montando, aí nos animamos a trazer outros filmes do Glauber; a romper e criar um fluxo delirante que foi transbordando. A gente estava trabalhando com o “Idade da Terra”, que é um filme de ruptura que permitiu, num espaço de longa-metragem, voltar a experimentar e com toda liberdade. A versão exibida em Veneza tinha 2h40min e eles queriam assim mesmo. Para Brasília a gente chegou numa versão que resultou em 1h40min. Então o filmeganhou uma unidade como se fosse um corpo só. Então ficou uma experiência de perder o fôlego, porque o filme não identifica quem está falando, há muita liberdade de trabalhar essa idéia da simultaneidade. Dos vários sons coexistindo, o Glauber entrando no plano, as sobras... Há vários feixes narrativos cruzando desde história dos filmes da Embrafilme, da censura, do “Abertura” (programa de televisão apresentado por Glauber); tem muitos subtextos. Na verdade é um vômito lírico esse filme, se eu pudesse traduzir essa experiência. Tanto que é difícil classificá-lo; ele passou no Festival de Brasília e, tudo bem, foi premiado, mas a grande discussão era se é um documentário ou não; afinal, o que é o filme.

Estou fazendo agora um trabalho com a dançarina nipo-brasileira de dança butôh, Emilie Sugai, no projeto “Elogio da Sombra”, inspirado num livro de um escritor japonês que se passa no ambiente fantasmático de um casarão. Também comecei a fazer com o Canal Brasil um ensaio com o Ney Matogrosso, indo filmá-lo durante os shows dele. É uma coisa que está acontecendo, não dá tempo de escrever um projeto, de colocar na lei. Então estou muito aberto para experiências que são rápidas, baratas e urgentes, o que é resultante do encontro de pessoas que precisam fazer e que se arriscam. Acho que o cinema tem uma coisa de auto-risco também. E é daí geralmente que nascem os projetos que mais ficam, transcendem ao tempo contingente.

Entrevista concedida a Christian Caselli e Poliana Paiva em janeiro de 2008.








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