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Curadoria 2011

10 anos? E o que é um filme livre?
(ou o filme livre como um ato de amor)

10 anos? Está só começando. Em 2011 começa a segunda década deste novo século. Curiosamente a Mostra do Filme Livre chega à sua décima edição. Hoje, os caminhos apontados lá no início, na primeira mostra, começam a desabrochar. A mistura de bitolas, a necessidade de renovação no embolorado cinema brasileiro, a possibilidade da realização sem grana pública, a asfixia do circuito dos festivais, tudo isso agora é papo corrente, mais do que reconhecido. No entanto, quem falava nisso há dez anos? Lá no início, quem exibiu os primeiros vídeos da Teia ou os primeiros longas malditos dos Irmãos Pretti? Quem exibiu os vídeos do Cao Guimarães, Pablo Lobato ou Marcellvs L., antes de Oberhausen, de Locarno, de Veneza? As pessoas hoje reconhecem a beleza do projeto de Estrada Para Ythaca, mas quem sabe quem foi a Artéria Experimental? Ou seja, quem apoiou os primeiros passos desses realizadores em busca de uma estética, de um olhar para o mundo? Aqui no Brasil, os festivais e a crítica continuam correndo atrás do próprio rabo, num jogo de gato e rato, com raras exceções. Só querem colher o que já está maduro, ou ainda, o que está amadurecendo. Nós da Mostra do Filme Livre regamos muito antes da colheita, e temos o orgulho de dizer que somos uma mostra de audiovisual no Brasil que tem feito uma pesquisa dos novos realizadores do audiovisual brasileiro ao longo dos últimos dez anos, de forma consistente, de forma sistemática. Sem querer implantar modismos, sem querer fazer média, sem querer cavar a nossa boquinha. Para o bem ou para o mal. 10 anos? Está só começando.

E o que é um filme livre? Esta é a pergunta que estamos nos fazendo ao longo desses dez anos, e convivemos com a dor e a delícia de simplesmente não ter resposta para ela. Vemos e fazemos filmes para tentar responder, ainda que saibamos que é em vão, que nunca vamos conseguir “dar conta” do que seja isso. O filme livre como utopia, ou ainda, como desejo. Pois sem desejo sequer teríamos nascido (o filme livre como um ato de amor). O filme livre é uma brisa de um abraço afetuoso e um grito de inconformismo e resistência. Suave como uma folha seca e violento como um soco no estômago. O filme livre vagueia entre os silêncios dos planos longos e fixos e os grunhidos das texturas da pele, das câmeras táteis. Entre os filmes caseiros de um homem só e os filmes coletivos de galera. Ou ainda, entre a solidão e a amizade. O filme livre é belo apenas por ser, por existir diante de um mundo que transforma as imagens em mercadorias, cuja função última é o consumo. O filme livre é aquele que abre as portas não somente para si mesmo, mas especialmente para o outro. É aquele que não abre somente “as portas que dão para dentro”, mas as portas do mundo. O filme livre é irregular, confuso, difuso, obtuso. É um filme curioso, faminto pelo mundo. O filme livre é aquele menino que corre para debaixo da mesa do jantar para bisbilhotar o que tem debaixo das saias das donzelas de pernas cruzadas. O filme livre é aquele cuja beleza não está na imagem, mas além dela, ou aquém dela. O filme livre não é aquele “que se serve da técnica” mas que, ao contrário, a desmistifica, pois, como diria Cesar Vallejo, “é no uso da técnica que se revela toda a diferença entre revolucionário e reacionário, entre vanguardista e retaguardista, etc.” O filme livre é um mistério. Seja para o realizador, para o espectador e para o crítico. Não se sabe qual é o filme que se pensou ter feito, que se pensou ter visto, que se pensou ter escrito. Não sei mais que filme é esse, não sei mais o que é o cinema, não sei mais o que é a vida, não sei mais quem sou. O filme livre constroi dúvidas, e não certezas. Ele não parte do que se sabe para se chegar naquilo mesmo que já se sabia antes mesmo de tê-lo visto, como forma de confirmar as certezas do mundo, em geral de um mundo de superfícies consumistas. É um filme que desestabiliza, que põe em crise. É também um filme mais preocupado em construir dúvidas do que destruir certezas. E o que é um filme livre? Esta é a pergunta que estamos nos fazendo ao longo desses dez anos, e convivemos com a dor e a delícia de simplesmente não ter resposta para ela.

Por Marcelo Ikeda, curador da MFL desde 2002


"Filmes mágicos é o que queremos, que revirem o real (ou a realidade, se preferir) a fim de mostrar um movimento legal, talvez novo (pode ser antigo too), de visões mais abertas do que fechadas, mais amorosas do que bonitas, filmes que respiram arte de fato no ato em que ampliam suas possibilidades de leitura", comenta Guiwhi, idealizador e curador da MFL.

O formato que o filme foi feito e que será exibido não interessa, há muito que repetimos que tal retórica acabou com a popularização do digital no mundo nos últimos 20 anos, em ações que se apresentam e se tornam cada vez mais audiovisualmente presentes em todas as áreas. A comunicação e as artes, primas queridas, obviamente não ficariam de fora deste ambiente bilionário de egos e poder, por onde circulam cada vez mais pessoas e empresas de tipos, formas e discursos incontáveis. Arte, cultura, negócios, poder público e o futuro da nação. Pelo tamanho do Brasil ainda são poucos os casos de curtas e mesmo longas de efetivo sucesso comercial. Já o sucesso emotivo pode ser visto nos festivais de cinema brasileiros e diversas outras ações reais e virtuais de exibição, sendo que na web os curtas são imbatíveis. Um papel da MFL é dar mais chance para que filmes de caráter não necessariamente comerciais possam ser populares e quem sabe até gerar receita para seus realizadores. Nosso papel é valorizar tais filmes, mostrando-os e pensando-os. Exemplos não faltam de filmes já exibidos na MFL e que tiveram e tem ainda bom desempenho cultural e comercial. Além disso, a MFL tem, desde o seu nascimento, uma importante parceria com a distribuidora Curta o Curta, para quem indica os curtas que mais tenham a ver com o catálogo de filmes  da empresa. E com o FAIA, Festival Internacional do Audiovisual , para quem indica alguns destaques que comporão a programação do evento do ano seguinte. O FAIA exibe apenas os destaques em outros festivais de cinema do ano anterior.

O processo de curadoria nunca foi nem será facil, quando se recebe mais de 500 filmes para serem analisados em 60 dias, é sempre um desafio! Ver e decidir se os filmes tem ou não a ver com o evento que espera isso de ti, que paga por seu olhar e seu crivo, de que tal filme é livre ou não... ao final das contas sempre ficam de fora alguns filmes até mais livres do que outros alguns que entraram por diversos motivos, seja numa sessão temática criada, seja em sessões como a ´coisas nossas`, onde os curadores e a produção do evento exibem seus filmes, quando os têm, claro.

Para a MFL 2011 se inscreveram 551 filmes, sendo a divisão por estado assim: RJ - 167, SP - 129, MG - 58, RS - 37, PR - 22, CE - 19, ES - 16, PE - 16, BA - 15, GO - 14, SC - 13, AC - 8, DF - 6, MS - 5, MA - 5, PI - 5, PA - 4, RN - 4, SE - 3, PB - 2, RO - 1 e AL - 1. Por ano de produção ficou assim: 2010 - 360 ; 2009 - 124 ; 2008 - 36 ; 2007 - 19 ; 2006 - 5 ; 2005 - 4 ; 1978 - 1 ; 1973 - 1 . Por fim, 506 filmes foram feitos sem apoio do Estado, 45 filmes foram feitos com apoio do Estado.Ou Seja, 92% dos inscritos são filmes independentes. 121 filmes foram feitos em escolas, universidades, oficinas e cursos audiovisuais. E 69 filmes tem mais de 30 minutos.

Os curadores da MFL 2011 são: Chico Serra, Gabriel Sanna, Guiwhi Santos, Juliano Gomes, Marcelo Ikeda e Raphael Fonseca.

Em breve mais infos relativas!
 









Mostra do Filme Livre 2011
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