Sess�o C�rbero

Projeto Cérbero – vídeoarte naïf
ano zero – 2009

Não pretendemos conceituar, justificar ou explicar a experiência do Projeto Cérbero; isso porque nutrimos um profundo sentimento de que não há conceituação ou justificativa possível para o que estamos experimentando, pois é justamente desse espírito - que tudo julga, justifica e conceitua, que de tudo exige uma explicação razoável - que estamos tentando escapar.

Agora, após um ano de trabalho e nove realizações, cumpre notar os caminhos e as conquistas. Começamos, ao final de 2008 com o intuito de realizar um vídeo por mês, sempre na rua, com três câmeras e filmando em apenas um dia. A rua nos interessou por sua imprevisibilidade, por sua imponderabilidade; na rua, todos, em princípio, são iguais, filmar na rua é também uma postura política. No início, estávamos muito ligados aos nossos estudos e experiências com performance; partimos para uma busca de síntese simbólica ligada ao corpo e tínhamos ainda uma necessidade de recusar a representação. Os três primeiros vídeos estiveram marcados por essa orientação. No entanto sentimos que essa recusa da representação estava nos limitando. Com o Cérbero #04, A Sagrada família, um novo e mais amplo campo de experimentação nos foi aberto. Nessa experiência propusemos aos atores uma livre improvisação, sem nenhuma preparação prévia, a partir apenas de uma curta descrição dos personagens, que enviamos previamente aos atores pela Internet. Agora a ação passava a acontecer sem interrupção, sem o corta/repete do cinema; nos aproximamos do acontecimento e do happening, a ação passou a ganhar relativa autonomia com relação ao vídeo. O oposto dos primeiros vídeos passou a ocorrer; se antes era uma síntese de signos, agora gerávamos uma proliferação de sentidos e referências, ventos do cinema marginal e da tropicália passaram a nos embalar. O C#06, Romance de Cavalaria e o C#8, A fantástica terra do diabo amarelo foram desdobramentos da experiência com a Sagrada família.

O C#05, O Selvagem impulso que estremeceu o ar foi uma experiência diferente; por um lado, perdemos a força, a liberdade e o imprevisível da improvisação, pois tínhamos um roteiro muito bem definido; por outro, nos abrimos pela primeira vez à participação de qualquer pessoa que tivesse interesse, passo que só voltamos a dar com o C.#09, Play to Bus, que realizamos em parceria com o finlandês Mika Arnhein. Com o C#07, As mulheres na sala ao lado não estão falando sobre Miguelangelo exploramos algo novo, chegamos a um estranho lugar de convívio de ficção e documentário, os atores assumiam papéis de personagens que vendiam DVDs do Cérbero na rua- as vendas eram bem reais, mas os personagens não. É preciso notar que este jogo de ficção e realidade gera uma potenciação do falso, ele ganha um leve sabor de crime e uma acidez irônica, este aspecto orsonwelliniano do falso passou nos ser caro. Essa experiência tinha também uma curiosa forma metalingüística, falávamos do Cérbero vendendo o Cérbero, foi através dela que chegamos ao termo vídearte naïf.

Arte naïf quer dizer arte ingênua, em geral as pessoas a entendem isso como uma arte feita espontaneamente por alguém que não possui estudo, técnica: arte bruta. Para Nietzsche, no entanto, ingênua é a arte de Homero e de Rafael. Naïf seria a arte apolínea, a arte da bela forma, a aparência da aparência, algo muito raro e difícil, essa arte seria ingênua por possuir o princípio de prazer na aparência, um extasiante mundo onírico que esconderia o real das coisas, bem entendido o real como pura devoração, aniquilamento e contradição. Ambas as acepções nos interessam. Se bem que a primeira, no sentido de arte bruta e espontânea, seja uma constante mais forte no nosso trabalho.

A ação Play to Bus foi algo surpreendente, uma proposta completamente aberta ao comportamento e a quem quisesse participar, uma espécie de grau zero do experimental. Mika Arnhein propôs, via internet, que as pessoas viessem vestidas com um traje dadaísta; propôs, também, que se formasse uma Orquestra Conceitual e Futurista de Polifonia, convidando músicos e não músicos a trazerem seus instrumentos. No momento da ação foram dadas algumas instruções, que ele chamou de os dez mandamentos, mas que eram frases abertas à interpretação, não havia personagens previamente elaborados, mas havia pessoas que ficaram incumbidas de orientar e agitar o coletivo. A desconcertante anarquia da proposta, o fato de o próprio tema da ação ser o jogo com o caos, a quase que total ausência de um planejamento do que iria ocorrer na hora consistiram num verdadeiro desafio. O que mais nos interessou nessa experiência foi uma espécie de coro de espectadores que se formou com as pessoas que ali apareceram e se integraram ao jogo; elas ocupavam um estranho lugar, ora apenas assistiam às cenas que eram geradas pelos atores/agitadores, ora se integravam ao jogo numa composição coral. Também a presença dos músicos enriqueceu muito o jogo.

A idéia de trabalho em progresso está profundamente relacionada com o experimental, como entendido por Hélio Oiticica; não se trata de experimentar para chegar um dia a um resultado, a uma forma final e bem acabada, o experimental; é ele próprio o resultado. Se há um progresso é no sentido de experimentar cada vez mais, manter-se no experimental; esse é o objetivo mais difícil e se a ele nos agarramos é porque acreditamos que somente ele realmente cria, só ele nos põe em posição de pensar a cultura e não por ela ser pensado. Portanto, não se trata de criar uma tendência estética, mas de absorver, de comer e pôr em jogo todas as tendências estéticas que nos interessem e que se criem no experimental. Eis o sentido fundamental do jogo e do prazer no jogo.

Fernando Codeço
Integrante do Projeto Cérbero



Cérbero (93’)   -   14 anos
Sala de Cinema - Quinta, 01/04, 18h


Cérbero #01 – A inconcebível vontade de olhar para o chão
RJ, 2008, 3min, DV
Numa alegoria sobre o rígido controle e aprisionamento da vontade, um homem se vê impossibilitado de olhar para o chão.
Direção: Fernando Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Edição de Som: Joaquim Pedro dos Santos. Elenco: Fernando Codeço.

Cérbero #02 – Duas coisas há no mundo que parecem existir uma única vez
RJ, 2008, 9min, DV
O Minotauro está solto e só em pleno labirinto na selva de pedra da cidade.
Direção: Fernando Codeço, Filipe Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Edição de Som: Joaquim Pedro dos Santos. Elenco: Fernando Codeço.

Cérbero #03 – Dia dos mortos
RJ, 2009, 4min, DV
Por trás da euforia coletiva do carnaval passeia o luto. ”O dia dos mortos” é erupção do fundo de dor e perda camuflados pela festa e pelo delírio.
Direção: Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Edição de Som: Joaquim Pedro dos Santos. Elenco: Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Jean Bodin, Julia Franca e Paula Muniz.

Cérbero #04 – A sagrada família
RJ, 2009, 16min, DV
Semanas antes do casamento com sua bela noiva, Gerson terá uma conversa séria com o futuro sogro.
Direção: Anna Terra Saladanha, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Câmeras: Lupércio Bógea, Rafael Turrini e Vinicius Nascimento. Edição: Pedro Bento e Vinicius Nascimento. Edição de Som: Andreson Carvalho, Lupércio Bogéa e Vinicius Nascimento. Elenco: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carolline Cantídio e Fernando Codeço.

Cérbero #05 – O selvagem impulso que estremeceu o ar
RJ, 2009, 4min, DV
Em pleno Largo da Carioca um acontecimento rompe a normalidade e desperta uma força bruta.
Direção: Anna Terra Saldanha, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Câmeras: Lupércio Bógea, Rafael Turrini e Vinicius Nascimento. Edição: Vinicius Nascimento. Edição de Som: Anderson Carvalho, Lupércio Bogéa e Vinicius Nascimento. Elenco: Aninha Accorsi, Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carla Stank, Carolline Cantídio e Daniel Santos.

Cérbero #06 – Romance de cavalaria
RJ, 2009, 20min, DV
Um reino dominado e governado por um tirano: Diaz. Dom Quixote e o prisioneiro político conspiram para tombar o ditador e devolver a paz ao povo - que vive atormentado pela entidade louca Ofélia Velha, que vaga pelos bosques aterrorizando os cidadãos.
Direção: Anna Terra Saladanha, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinícius Nascimento. Câmera: Lupércio Bogéa, Rafael Turrini e Vinicius Nascimento. Edição: Vinicius Nascimento. Elenco: Berenice Xavier, Carolline Cantídio, Clara Colin, Fernando Codeço, Filipe Codeço e Ignácio Aldunate.

Cérbero #07 – Na sala ao lado não há mulheres falando de Michelangelo
RJ, 2009, 10min, DV
Jovens vendedores enfrentam a dura realidade da comercialização de vídeoart-naif no Rio de Janeiro.
Direção: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Pedro Bento e Vinicius Nascimento. Câmera: Filipe Codeço, Marko Movre, Rafael Turrini e Vinicius Nascimento. Som: Lupércio Bógea e Rafael Turrini. Edição e Edição de Som: Pedro Bento e Vinicius Nascimento. Elenco: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carolline Cantídio e Fernando Codeço.

Cérbero #08 – A fantástica terra do diabo amarelo
RJ, 2009, 12min, DV
Mortos no mundo, habitam eles a Terra do Diabo Amarelo.
Direção: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Pedro Bento e Vinicius Nascimento. Câmera: Filipe Codeço, Jorge Saldanha e Pedro Bento. Edição e Edição de Som: Filipe Codeço. Elenco: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Barbara Vida, Carolline Cantídio, Erike Freitas e Fernando Codeço.

Cérbero #09 – Telefax transmittal
RJ, 2009, 15min, DV
Etnográfico Fantástico nas ruas de Botafogo.
Direção: Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Carolline Cantídio, Fernando Codeço, Filipe Codeço, Pedro Bento e Vinicius Nascimento. Câmera: Pedro Bento, Pedro Gorender e Vinicius Nascimento. Edição e Edição de Som: Mika Arnhein e Vinicius Nascimento. Elenco: Alice Worcman, Anna Terra Saldanha, Berenice Xavier, Daniel Rebel, Dinda e Dora Alice.
 

 







2002 - 2013 MFL | Mostra do Filme Livre | Tecnologia Rivello/Menta | Produção WSET Multimídia