A Mostra do Filme Livre, MFL, completa 15 anos e mais uma vez estar� nos quatro Centros Culturais Banco do Brasil, de mar�o a junho.
Ser�o exibidos 205 filmes selecionados dos
1.342 inscritos, a maioria (90%) feito sem verbas p�blicas, ou seja, filmes
independentes! Obras de todo o Brasil que muitas vezes ter�o a MFL como sua
primeira e/ou �nica exibidora nos cinemas.
A chance de ver esta crescente e consistente
produ��o independente do nosso cinema come�ar� no Rio de Janeiro (9 de mar�o a
4 de abril) seguindo quase ao mesmo tempo para S�o Paulo (16 de mar�o a 7 de
abril); depois indo para Bras�lia (13 de abril a 2 de maio), finalizando sua
maratona na capital mineira (25 de maio a 13 de junho). Como de praxe, a MFL
ser� gratuita e vai tamb�m percorrer o circuito de Cineclubes Livres,
que em 2015 teve 2.700 espectadores em mais de 60 cidades.
�De
curtas infantis (alguns feitos por crian�as) a longas de horror, sem esquecer as experimenta��es audiovisuantes (que passam em loop por 6 horas na nossa Cabine Livre) e document�rios nada nada caretas, tem de quase tudo
na MFL!! E olha que nem 15% dos inscritos foram selecionados, s�o 200 filmes
que mostram a versatilidade, a poesia e a pot�ncia do cinema poss�vel
brasileiro agora hoje!�, fala Guilherme Whitaker, curador da mostra.
Rela��o de
inscritos/selecionados por estado:�SP=371/49; RJ=333/55; MG=98/26;
RS=77/11; CE=61/12; BA=51/4; PE=50/10; PR=43/8; PB=32/5;GO=32/2;
ES=29/5; DF=22/1; AL=20/1; RN=19/1; SC=19/5; AM=16/0;PA=15/0; MA=9/1;
MT=7/0; RO=5/0; PI= 3/0; AC=3/0; RR=2/0; SE=2/0; MS=2/0�
A doen�a do sono
Marcelo Ikeda�
����������� Em
2016, a Mostra do Filme Livre completa quinze anos. Nesse per�odo, muitas �guas
rolaram no cinema brasileiro e no pa�s. A Mostra inaugurou sua primeira edi��o
nos primeiros anos deste s�culo XXI. O cinema brasileiro ainda engatinhava no
seu per�odo de "retomada". Ainda persistia uma vis�o de que o caminho
era profissionalizar o cinema brasileiro, com grandes or�amentos e hist�rias
respeit�veis. Na maioria dos casos os filmes eram corretos na inten��o e na
execu��o mas muito conservadores. Havia toda uma gera��o que n�o se
identificava com o que via na tela. Havia uma amargura, uma ang�stia e
quer�amos colocar na tela essa insatisfa��o com o rumo das coisas, mas ningu�m
sabia exatamente como. Essa inquieta��o combinada com essa d�vida na verdade
considero que foram os grandes motores de um sopro de renova��o no cinema
brasileiro. O avan�o da tecnologia digital - ou melhor, a populariza��o das
cameras minidvs e das ilhas n�o-lineares port�teis, pois o v�deo j� existia h�
muito tempo - possibilitou que as experimenta��es fossem mais poss�veis. Muitos
curtas come�aram a ser feitos, em todos os recantos do pa�s. Os cineclubes
surgiram, pois os festivais de cinema ainda estavam atrelados a essa campanha
institucional do "cinema brasileiro para o respeit�vel p�blico". A
Mostra do Filme Livre surgiu nesse contexto, abrindo espa�o para os doidinhos e
irrespons�veis, para os que n�o queriam fogo mas "fuma�a". Havia
alguns antecedentes, como o importante Forum BHZ V�deo, mas mais pr�ximo da
chamada videoarte e de uma disputa sobre a autonomia do video em rela��o ao
cinema, mais pr�ximo �s artes visuais. A Mostra do Filme Livre veio para
confundir, "tudo junto e misturado". V�deo, pel�cula, Super-8, 35mm,
fic��o narrativa, document�rio, videoarte, ensaio visual, e outros nomes mais,
tinham espa�o na mostra, independentemente da bitola, do formato, do g�nero. A
MFL j� nasceu multi, inter, poli e trans e muitos outros prefixos e sufixos.
Pela forma��o daqueles que a integra(va)m, a MFL acabou ficando por dialogar
mais com o campo do cinema - se bem que n�o sabemos mais o que cinema �, muito
mais um "lugar de fala" do que um termo sem�ntico.
����������� Quinze
anos depois vemos que muitas das apostas da MFL desabrocharam. Temos hoje de
fato um cinema brasileiro muito mais plural, e de muito mais possibilidades. H�
hoje um cen�rio de produ��o e de difus�o muito mais amplo. Amplo, mas ainda
muito pequeno, com muitos latinf�ndios ainda inexplorados, como a internet e as
novas m�dias. Amplo, mas extremamente fechado e elitista. Por outro lado, a MFL
optou por permanecer num certo lugar restrito em rela��o a outras mostras de
cinema no pa�s. A MFL nunca fez quest�o de implantar a f�rceps modismos e tend�ncias. Nunca fez quest�o de impor o
crit�rio de ineditismo, o que faz com que muitos realizadores deixem de lado a
mostra, em busca de outras vitrines mais atraentes. Nunca fez quest�o de orientar
sua curadoria para se aproximar dos curadores internacionais nem da cr�tica de
cinema brasileira (nem a tradicional nem a dos "novos cr�ticos").
Esteve sempre num lugar � margem, mesmo � margem desse circuito alternativo que
hoje cada vez mais se institucionaliza. A verdade � que a MFL sempre foi
menosprezada, pois a humildade de sua proposta nunca foi entendida de fato
pelos que buscam os corredores do cinema como instrumento de poder. A mostra
nunca quis ser acad�mica nem nunca quis ser popular. Mas, vendo em retrospecto,
tenho um certo orgulho dessa independ�ncia. Destacamos tamb�m grandes
personalidades do cinema brasileiro, porque somos herdeiros de um cinema de
resist�ncia: Tonacci e Rosemberg s�o os que hoje ressurgiram em visibilidade,
mas tamb�m Jos� Sette, Elyseu Visconti e tantos outros.
����������� Hoje
o cen�rio da produ��o audiovisual brasileira e das mostras de cinema
independente � muito mais s�lida do que h� quinze anos. Mas vejo nisso um
risco. Vejo uma certa acomoda��o, uma certa in�rcia. Uma doen�a do sono. Esse
circuito est� cada vez mais apontando para um cen�rio de "risco calculado".
Com as fant�sticas conquistas do Fundo Setorial do Audiovisual da ANCINE, agora
cada jovem realizador quer fazer o seu projeto de desenvolvimento, montar a sua
empresa produtora para ganhar seu primeiro milh�o com seu "n�cleo
criativo". Os v�deos de curta-metragem para conseguirem ser exibidos nos
festivais de cinema precisam dialogar com uma s�rie de conceitos curatoriais
pr�-definidos. A cr�tica de cinema na internet vem definhando. O primeiro
milh�o agora � cada vez mais acess�vel, ent�o let�s go, "vamos a ele". E tudo tem o seu pre�o. Os antigos
garagistas agora brindam nos festivais internacionais, tentando negociar com os
sales agents. Enquanto o pa�s
fervilha e os jovens v�o �s ruas buscando entender e se arremessar ao mundo,
sinto que a maior parte dos realizadores que mais propuseram um cinema de
inven��o h� quinze anos agora querem pagar suas contas, viajar para os
festivais internacionais e batalhar pelo seu milh�o. O cinema ficou em segundo
plano em rela��o �s estrat�gias de poder.
����������� Ainda
assim, sinto que o cinema independente brasileiro permanece com seus momentos
de muita puls�o. Enquanto uma gera��o envelhece, outra surge ainda mais jovem.
Fico comovido como obras como FILME DE ABORTO, de Lincoln P�ricles, ou o curta CORA��ES
SANGRANTES, de Jorge Polo, sinalizam para esses sentimentos de juventude, de
ousadia e de esperan�a, por meio de uma linguagem pura, que n�o esteja contaminada pelo "com�rcio de arte",
pelo desejo de "sucesso instant�neo", ou de repetir as f�rmulas das
curadorias pr�-formatadas e dos festivais internacionais. Porque s�o filmes
colaborativos cheios de raiva, de ang�stia, de solid�o, mas sobretudo de
desejo. S�o os vagalumes que continuam piscando, seja no meio da escurid�o seja
diante dos holofotes do "cinema de grife".
����������� Tenho
a profunda esperan�a que este texto ecoe e que, algum dia, algu�m no futuro
ainda possa l�-lo, como um n�ugrafo ao encontrar uma garrafa lan�ada ao mar. Gostaria
de escrever mais, mas n�o posso, n�o conv�m. � preciso ler nas entrelinhas. A
MFL completa 15 anos e me parece que estamos todos dominados pela doen�a do
sono. Querem nos dizer que tudo t� tranquilo t� favoravel. S� que n�o.....