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Não Me Fale Sobre Recomeços Inédito* Selecionado PREMIADO


Anotações audiovisuais sobre o indivíduo e o estado. O filme se utiliza das mais variadas formas de material encontrado para conceber um jogo de citações verbais e imagéticas que discorre sobre conceitos históricos de arte, cinema e política a partir de um imperativo da imagem.
Direção: Arthur Tuoto
Duração: 70min
UF/Ano: PR/2016
Classificação Indicativa: 14 anos
Equipe: Direção / Montagem / Produção - Arthur Tuoto

Contato: Arthur Tuoto - arthur.tuoto@gmail.com

Texto Premiação


Na era das técnicas de reprodução digitais, a recuperação de imagens tornou-se uma prática recorrente, o que provoca certos questionamentos acerca da potência estética e epistêmica do cinema, ao mesmo tempo em que amplia suas possibilidades discursivas. Em Não me fale sobre recomeços, Arthur Tuoto produz um documentário dilacerante sobre o presente, a partir da estratégia de manipular arquivos heterogêneos que se acumulam nos bancos de dados audiovisuais: imagens da TV e do cinema, de jogos de videogame a registros de manifestações pelo mundo afora.

Em seu processo de criação, Tuoto reorganiza as imagens do mundo, ressignificando contextos de forma a refletir sobre o presente que nos envolve. Nós não estaríamos livres como pensamos, mas perdidos, e a questão que se coloca não é mais se vamos continuar a existir, mas se merecemos. O filme não busca representar uma realidade, mas uma ideia, ou melhor, uma desconstrução da posição da imagem dentro dos meios de comunicação. Imagens que são encarnadas em novas histórias, abertas ao desvio dos discursos de poder que as formulou. Por possuir uma amplitude cognitiva, histórica e de pensamento a imagem pode nos levar a entendê-la como um certo adensamento de tempo, um disparador da relação rememorativa e dialética com uma historicidade que é revisitada no agora. O campo reflexivo aberto por Walter Benjamin proporciona lermos a imagem como um espaço sempre aberto, sobreposto, multidimensional.

As imagens do mundo apresentam-se como espaço de um trabalho de construção infinito, próprio a elaborar, com seus labirintos ou seus desníveis, o equivalente de uma realidade sempre nova. Na sua prática manipuladora de signos e significados, Tuoto produz uma fábula que critica a imagem e, nesse processo, critica as maneiras de vê-la. O presente se constitui pelas imagens que sobrevivem nele, que lhe são sincrônicas. Nesse sentido, são as imagens que dominam a relação que mantemos com o passado, e não o passado propriamente.

Nos atravessam cotidianamente as ruínas da sociedade ocidental, seja no noticiário da manhã ou na telenovela do entardecer; nas capas das revistas na banca de jornais, nos espetáculos misóginos do teatro, nas piadas estigmatizadas de certos programas do rádio. É preciso ter coragem para se livrar delas. À deriva neste mar negro de imagens e sons, o que nos resta? É no sentido do desvendamento das linhas de força que envolvem esses discursos que o filme de Tuoto se coloca. Precisamos esquecer, mas também lembrar. O filme é um grande exemplo da arte como instância privilegiada de transformação e testemunho do tempo. Ao reorganizar uma história, coloca-se um sentido: uma direção que é também uma significação. É notável a delicadeza com que Tuoto lida com um passado ainda tão presente, e a sutileza da dialética que estabelece entre imagem e som.

A forma como o realizador repensa, por exemplo, a estrutura do off, não optando mais pela voz do realizador a guiar a travessia pelas imagens, mas escolhendo diferentes vozes e discursos para embalar e endossar suas reflexões, estabelece um urgente lampejo sobre o presente ao unir o que se diz com o que se mostra sobre ele. A polissemia dos discursos é entrelaçada no tempo das imagens, desconstruindo a sociedade contemporânea. É possível recomeçar? E, para tanto, precisaríamos esquecer ou lembrar? A memória pode ser pensada como um conjunto, um certo arranjo de signos, de vestígios, de monumentos, unidos por elos que os relacionam e lhes conferem a consistência de uma história. A memória, como diria Rancière, é uma obra de ficção, uma fábula. Tuoto nos presenteia com uma urgente fabulação sobre a nossa sociedade, nos lançando talvez um chamado tanto para a reflexão sobre o presente quanto para a conscientização acerca das consequências de se abster da luta. Na urgência que contorna os tempos sombrios que nos envolvem, o filme parece nos convocar para uma transformação revolucionária.

Diego Franco



PROGRAMAÇÃO


(informações fornecidas pelos filmes no ato da inscrição online)