Quem sabe faz h� horas
Na verdade meses, anos, mais de d�cada! 17 anos depois de come�ar no CCBB Rio por uma�semana, o sonho de mostrar filmes que ningu�m�mostrava se realizou, cresceu ano a ano at� se�tornar, hoje, a mais relevante mostra do cinema�independente brasileiro. N�o � pouca coisa�para o tipo de evento que queremos ser, ao�difundir filmes que antes nem eram aceitos em�certos eventos e que hoje s�o vistos, premiados�e queridos, amplificando cada vez mais a voz�de quem mais precisa de espa�o, pois n�o o�acha facilmente, os que fazem audiovisual sem�precisar de editais p�blicos ou verbas imensas,�os independentes, livres!
Dividimos esta conquista com todos que, de�algumas formas, participam desta cativante�aventura conosco, seja mandando e/ou�exibindo filmes, participando das sess�es,�debates ou das oficinas. Nosso foco sempre�foi e segue sendo a valoriza��o do filme�autoral, pessoal e/ou coletivo, feito sem muita grana mas repleto de gana, por motivos que�v�o al�m do comercial, mais importando�a vontade e a capacidade de se expressar�audiovisualmente, dizer ao mundo, tamb�m�poeticamente, algo que ele ainda n�o sabe,�esqueceu ou mesmo nem gosta, filmes que�revirem e coloquem em quest�o a vida e o�cinema feito agora neste planeta.
O mais importante s�o os filmes, � por eles�nascemos, lutamos e resistimos, mostrando ao�p�blico obras �mpares, feitas de formas idem.�A produ��o brasileira � t�o grande quanto�instigante e nosso foco tem sido ajudar a�milhares de filmes a serem mais e melhores�vistos, reconhecidos. Esse � o nosso papel,�descobrir onde est�o as diferen�as em nosso�t�o cativante cinema n�o comercial e mostrar,�literalmente, que h� muita qualidade e quest�es�relevantes neste cinema poss�vel, que vai l�guas�al�m do entreter e agradar a maioria.
Guilherme Whitaker
Mostrando Filmes Livres
Em 2017 estaremos no CCBB Rio�(a partir de 29 de mar�o) e no CCBB de Belo Horizonte (a partir de 17 de maio), em S�o Paulo (Matilha Cultural), em Niter�i (Cine Arte UFF) e pela primeira vez na Am�rica do Norte, em Boston (Boston University), e claro, na maior a��o cineclubista em voga no Brasil, os Cineclubes Livres (inscri��es em breve).�
Este ano tivemos 1.155 filmes inscritos, sendo apenas 196 (18%) feitos com apoio estatal direto; 341 filmes de escola e 859 in�ditos no RJ; o inscrito mais antigo foi de 1982. No total tivemos 99 longas (mais de 60min.) inscritos, e 30 foram selecionados. Foram selecionados 170 filmes, apenas 15% dos inscritos. Outros 40 filmes foram convidados, totalizando 210 filmes nesta edi��o.�
Dos selecionados, 52 filmes tiveram apoio estatal, cerca de 36%, um recorde em compara��o aos anos anteriores, apontando que filmes incentivados est�o ficando mais livres, n�o vamos reclamar!
Dos filmes selecionados, 90 s�o in�ditos no RJ, 52%! 39 s�o filmes de escola (dos 341 inscritos), um �timo n�mero, correspondendo a 24% do total de filmes na mostra!�
Inscritos selecionados, por UF: SP= 338/36, RJ= 268/52, MG = 111/17, CE = 54/13, PE; 51/10, GO = 49/3, PR = 48/8, RS = 39/5, BA = 39/7, DF = 33/2, PB = 22/3, SC = 22/6, ES = 20/2, PA = 5/1, MA= 3/2
Pela primeira vez fizemos uma compila��o de informa��es relacionadas ao g�nero na dire��o dos filmes e colhemos estes interessantes dados:dos inscritos, 252 (22%) tem mulheres na dire��o. E dos selecionados, 61 filmes s�o dirigidos por mulheres, ou seja, 36% do total !!!
Dos filmes dirigidos por homens, apenas 13% foram selecionados, enquanto 24% foram feitos por mulheres. Em 2015 tivemos 1.500 inscritos, 256 feitos por mulheres, com 53 selecionados. Em 2016 foram 1.300 inscritos, com 158 filmes feitos por mulheres e 49 selecionados, ou seja, em 2017 teremos um recorde de filmes dirigidos por mulheres, 61!
Sele��o e programa��o da MFL2017 em breve!
A MFL � gratuita como deveriam ser todos os eventos feitos 100% com verbas p�blicas!!
Sob a constela��o do filme livre, n�s.
�Para mim cinema � cinema, cinema, cinema, como uma rosa � uma rosa.
Claro que � algo entre tempo e espa�o. Mas isso � uma quest�o muito ampla.�
Chantal Akerman
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Mais do que proximidades, este � um momento de dizer das dist�ncias, esta for�a que nos fez buscar comunh�o tendo como centro o filme livre, a partir das proposi��es de recorte que comp�em a�MFL�nesses agora 16 anos. O encontro com nossas dist�ncias, entre n�s curadores, � sempre uma quest�o complexa para o estabelecimento de partilhas. T�o inating�vel quanto incans�vel foi nossa tentativa de busca pelas liberdades - desejo comum de orquestra��o entre igualdades e diferen�as.
Com um olhar feminino de sol e ascendente em Libra, come�amos a trilhar de longe, cada uma de n�s, o caminho rumo aos filmes, ensaiando equil�brio entre cren�as e paix�es, bem como entre nossos estados de avidez por cinema e/ou gravidez em arte. Diante dos filmes e da longa trajet�ria de curadoria da�MFL, bem como a partir de nossas pr�prias experi�ncias, colocamo-nos � disposi��o para contemplar os filmes de curta e m�dia metragem inscritos nesta edi��o. Assim, o percurso at� chegarmos ao programa de cada sess�o da mostra�Panorama�foi sendo desenhado por cruzamentos, encontros e embates, ora refor�ando, ora rompendo nossas no��es de cinema e de arte, de mulher e de pol�tica.
O consenso n�o existe. Nossas dist�ncias foram a maneira encontrada durante o processo da sele��o, para desenhar contornos mais corp�reos na neblina conceitual do filme livre e, assim, esbo�ar constela��es, nebulosas ou gal�xias de filmes! Nesses conjuntos orbitam, n�o apenas os t�tulos escolhidos para compor as sess�es, mas tamb�m aqueles que n�o entraram nessa sele��o. Seguindo estes termos astron�micos para representar astros em proximidades, dist�ncias e escalas de tamanho, podemos adentrar nesta aleg�rica narrativa sobre o processo de sele��o e programa��o, para dizer do universo das 170 obras selecionadas para esta edi��o da MFL, bem como do movimento que fazemos ao agrup�-las em torno de eixos gravitacionais representados pelo recorte de cada uma das mostras. Uma constela��o em meio � um universo: eis uma possibilidade para se mirar os 21 filmes da mostra Panorama dentro do desenho maior de programa��o da MFL 2017.
Desde a primeira das sess�es Panorama de curtas at� a quinta e �ltima, interessa-nos destacar gestos que foram cruciais para presentificar o recorte da constela��o que ora apresentamos. Ao que se prop�e a sess�o, estes filmes estariam sob o signo da inquieta��o que ecoa do contempor�neo de barb�rie, golpe e calamidade, em toda a sua urg�ncia inalcan��vel. Tateando no escuro infinito desse ideal, pudemos experimentar nestes kynemas, performances igualmente delicadas e doloridas, com a sutileza que s� as for�as mais avassaladoras na natureza art�stica conseguem fazer dan�ar. Dan�amos e pisamos muito nos p�s dos filmes e os filmes nos nossos. �E n�s, uns nos outros. Mas a puls�o de vida-e-morte dessas obras, del�rio que oscila entre a rotina e o descontrole � assim como o fazer cinematogr�fico � fez combinar procedimentos que podem parecer ser do�arco da velha�da hist�ria das artes com�ondas superdance�de�br�colis�cru�a exalar certo�cheiro de melancia, principalmente para�Luiza�e�Abigail. Enfim,�mem�rias de um amn�sico�� um pouco�algo de que fica. ��campana, vimos que o cinema desenhou a si mesmo em n�s.�Honra e m�rito�dos filmes que conseguiram fazer-se ver.
Este texto pode ser lido, ent�o, como uma possibilidade de carta natal da d�cima sexta edi��o de uma mostra que, uma vez parida, quer dar luz a uma forma de conceber e organizar os gritos e gestos de cinema que vimos e ouvimos nos filmes. Cada filme, um corpo celeste. Cada sess�o, um convite a ouvir estrelas e mirarmos de perto as dist�ncias em n�s e atrav�s da arte. Nesse sentido, cada filme ecoa n�o apenas nas sess�es em que est�o gravitando ao seu redor, mas tamb�m em outras obras, eventos e universos atrav�s de n�s. Mais do que uma carta de apresenta��o, trata-se de um convite ao espectador para que venha desenhar suas pr�prias constela��es (ou gal�xias!) a partir de sua experi�ncia intransfer�vel com os filmes que cintilam entre as sess�es programadas.
Por Raquel Junqueira e Scheilla Franca
Carta sem t�tulo para os curiosos desconhecidos
(PR�LOGO: este texto n�o expressa necessariamente a opini�o da Mostra do Filme Livre nem de seus curadores, reflete apenas a "opini�o pessoal" do autor)
O Brasil de hoje n�o � o que era antes. N�o sei ainda se isso � bom ou mau. Os fantasmas despertaram e eles n�o se divertem. Fazer curadoria de um festival de cinema virou um quebra-cabe�as. � preciso ter "representatividade" de filme de g�nero, dos document�rios, das anima��es, de filmes de todas as regi�es geogr�ficas do Brasil, filmes das minorias, dos negros, dos LGBTs, das mulheres, filmes s�cio-pol�ticos. Um pra l�, dois pra c�. E o cinema, diante de tudo isso? E o gesto daquele realizador que deseja expressar algo para o mundo que ele pr�prio n�o sabe muito bem o que �? Como ele fica diante desse quebra-cabe�as? O filme precisa ter um discurso pr�vio � sua realiza��o para entendermos suas inten��es? O filme precisa vir acompanhado do RG do cineasta? Como o cinema pode operar diante do desconhecido?�
Um filme, uma obra de arte, n�o precisa ser contempor�neo ao seu tempo, j� dizia Agamben, j� dizia Godard. Vivemos estressados. E dizem que o estresse � o excesso de presente. Uma vez Godard perguntou a Straub porque, em pleno maio de 68, quando os estudantes estavam nas ruas dando o seu sangue nas barricadas, ele fez um filme (anacr�nico) como�Cr�nica de Anna Magdalena Bach. Foi ent�o que Straub lhe respondeu que seu filme era exatamente sobre isso, que esse seu filme (aparentemente inofensivo, ou aparentemente apol�tico) sobre as cartas trocadas entre Bach e sua esposa era justamente uma resposta � invas�o dos Estados Unidos ao Vietn�. Straub tamb�m disse a mais bela frase que j� ouvi sobre o cinema pol�tico: "saber fazer a revolu��o tamb�m � saber filmar o som do vento que balan�a a copa das �rvores." Ora, pois como iremos fazer a revolu��o se n�o conseguimos mais sentir o cheiro das folhas das �rvores?�
Diante da enorme efervesc�ncia que foi o ano de 1968, fico pensando que talvez os filmes que mais me movam hoje e que foram realizados nesse ano e no seguinte s�o "Cr�nica de Anna Magdalena Bach", "A Cor da Rom�", e "Walden". Tr�s filmes que n�o expressaram sua ades�o ao movimento das ruas de modo direto, expl�cito. Pois a arte tem meandros que permite que o artista se expresse de muitas formas, pois o grande desafio do cinema livre �, acima de tudo, ampliar a nossa experi�ncia sens�vel diante do mundo.�
As minorias despertaram do seu transe, reivindicando um pa�s mais justo, diante do exterm�nio planejado e velado de milh�es de negros, mulheres, transsexuais, pobres. Seu �dio, sua raiva, diante dos mil�nios de mortes represadas, s�o inevit�veis. Mas como � poss�vel convivermos juntos dadas as nossas diferen�as? A �nica sa�da � a viol�ncia? Ser� que � ainda poss�vel debatermos as nossas diferen�as sem nos matarmos? Ainda � poss�vel con-viver? � poss�vel resistir de muitas formas. Queiramos ou n�o, as culturas s�o h�bridas. Aqui convivem o catimb� e a feijoada. O Z�-Pereira e os blocos de sujo continuam tirando o sono e a tranquilidade das ruas, pelo menos por alguns dias do Carnaval.�
E como o cinema pode reagir diante disso? Venho relendo e tentando refletir com as li��es da R�ssia dos anos vinte e da Fran�a dos anos sessenta. Creio que o cinema n�o pode ser instrumentalizado diante da luta sociopol�tica, com o risco de se transformar num mero panfleto ou manual, como os filmes do realismo social do governo de propaganda russo. Me interesso em pensar no gesto de l�deres intelectuais da esquerda francesa, que romperam com o partido comunista por n�o concordarem com os rumos da esquerda nos anos cinquenta e sessenta. Ou ainda, com o cinema novo brasileiro, quando Glauber fez a op��o extremamente corajosa de se rebelar contra o realismo descritivo dos filmes do CPC e foi buscar uma "est�tica da fome", e depois uma "est�tica do sonho", para que os filmes expressassem no seu pr�prio modo de ser a busca por uma express�o aut�noma, livre, anti-intelectual, primitiva, antiburguesa e anticolonizada.�
Essa � a busca do cinema livre por v�rios anos. Os artistas muitas vezes escolheram os caminhos mais dif�ceis, e, por isso, n�o foram compreendidos no seu pr�prio tempo. Eles n�o aderiram imediatamente �s causas de seu tempo, e essa n�o-ades�o talvez signifique que eles estavam mais pr�ximos de seu tempo do que seus contempor�neos. � medida que a luz se aproxima, sinto que precisamos cada vez mais voltar nossos olhos para a escurid�o, pois h� algo ali adormecido que possa nos fazer sentir melhor esse abismo que nos sangra.�
� preciso estarmos juntos, nos movimentos, nas pra�as, nas ruas, lutando pela liberdade. Mas ainda defendo radicalmente a possibilidade de estarmos s�s. Sinto-me s�, e n�o deixo de lutar por causa de minha solid�o, mas, ao contr�rio, luto exatamente pela minha condi��o. Defendo a possibilidade que cada pessoa ainda possa se expressar por si s�, sem representar nenhum "grupo" ou "institui��o". Defendo a exist�ncia das aspas. e das "opini�es pessoais".
Estou s�. Continuo sendo aquele menino ing�nuo que observa voc� dan�ar l� embaixo na rua, abrindo um canto da minha janela. O menininho de "N�o Amar�s". Minha solid�o n�o me enfraquece, mas � tudo o que tenho, pois sou eu. N�o fa�o ades�o a nenhum grupo, a nenhum partido pol�tico, a torcida organizada de time de futebol, aos "grupos de pesquisa" da universidade, a nenhum coletivo de cinema, a nenhum grupo de artistas ou intelectuais, a nenhum movimento social. A independ�ncia, a liberdade, s�o uma forma de solid�o. Acredito que uma das miss�es do artista e do cr�tico � estar s�. Permane�o defendendo a possibilidade de um filme todo realizado por uma �nica pessoa, dentro de sua casa, como se fosse um livro ou um quadro. Que gesto essas obras solit�rias podem oferecer ao mundo? N�o tenho ideia. Mas continuo a jogar essas garrafinhas l� para o fundo do mar, o mais longe poss�vel de mim, com todas as minhas for�as. Jogo-as e deixo que o vento ou as mar�s as levem. Em cada uma delas, h� apenas uma mensagem: "eu te amo". Como diria um prov�rbio chin�s, "tudo passa". Talvez alguma delas chegue at� a ti. Talvez algo seja transformado quando voc� abrir a garrafa e a ler. Provavelmente n�o. Mas permane�o sistematicamente exercendo o meu fracasso, esse exerc�cio sistem�tico de minha solid�o. A liberdade, para mim, nada mais � do que o gesto (ou a possibilidade) de jogar algumas dessas garrafas ao mar. Mas como podemos ser livres sem o outro, trancafiados dentro de casa? H� algo que me leva a querer romper esse casulo e voar. Esse gesto � meu amor por ti, � meu desejo de encontro. H� algo que falta mas que sinto que essas palav
Por Marcelo Ikeda
(texto cortado a pedido do autor)
MFL2016
A doen�a do sono
Marcelo Ikeda�
����������� Em
2016, a Mostra do Filme Livre completa quinze anos. Nesse per�odo, muitas �guas
rolaram no cinema brasileiro e no pa�s. A Mostra inaugurou sua primeira edi��o
nos primeiros anos deste s�culo XXI. O cinema brasileiro ainda engatinhava no
seu per�odo de "retomada". Ainda persistia uma vis�o de que o caminho
era profissionalizar o cinema brasileiro, com grandes or�amentos e hist�rias
respeit�veis. Na maioria dos casos os filmes eram corretos na inten��o e na
execu��o mas muito conservadores. Havia toda uma gera��o que n�o se
identificava com o que via na tela. Havia uma amargura, uma ang�stia e
quer�amos colocar na tela essa insatisfa��o com o rumo das coisas, mas ningu�m
sabia exatamente como. Essa inquieta��o combinada com essa d�vida na verdade
considero que foram os grandes motores de um sopro de renova��o no cinema
brasileiro. O avan�o da tecnologia digital - ou melhor, a populariza��o das
cameras minidvs e das ilhas n�o-lineares port�teis, pois o v�deo j� existia h�
muito tempo - possibilitou que as experimenta��es fossem mais poss�veis. Muitos
curtas come�aram a ser feitos, em todos os recantos do pa�s. Os cineclubes
surgiram, pois os festivais de cinema ainda estavam atrelados a essa campanha
institucional do "cinema brasileiro para o respeit�vel p�blico". A
Mostra do Filme Livre surgiu nesse contexto, abrindo espa�o para os doidinhos e
irrespons�veis, para os que n�o queriam fogo mas "fuma�a". Havia
alguns antecedentes, como o importante Forum BHZ V�deo, mas mais pr�ximo da
chamada videoarte e de uma disputa sobre a autonomia do video em rela��o ao
cinema, mais pr�ximo �s artes visuais. A Mostra do Filme Livre veio para
confundir, "tudo junto e misturado". V�deo, pel�cula, Super-8, 35mm,
fic��o narrativa, document�rio, videoarte, ensaio visual, e outros nomes mais,
tinham espa�o na mostra, independentemente da bitola, do formato, do g�nero. A
MFL j� nasceu multi, inter, poli e trans e muitos outros prefixos e sufixos.
Pela forma��o daqueles que a integra(va)m, a MFL acabou ficando por dialogar
mais com o campo do cinema - se bem que n�o sabemos mais o que cinema �, muito
mais um "lugar de fala" do que um termo sem�ntico.
����������� Quinze
anos depois vemos que muitas das apostas da MFL desabrocharam. Temos hoje de
fato um cinema brasileiro muito mais plural, e de muito mais possibilidades. H�
hoje um cen�rio de produ��o e de difus�o muito mais amplo. Amplo, mas ainda
muito pequeno, com muitos latinf�ndios ainda inexplorados, como a internet e as
novas m�dias. Amplo, mas extremamente fechado e elitista. Por outro lado, a MFL
optou por permanecer num certo lugar restrito em rela��o a outras mostras de
cinema no pa�s. A MFL nunca fez quest�o de implantar a f�rceps modismos e tend�ncias. Nunca fez quest�o de impor o
crit�rio de ineditismo, o que faz com que muitos realizadores deixem de lado a
mostra, em busca de outras vitrines mais atraentes. Nunca fez quest�o de orientar
sua curadoria para se aproximar dos curadores internacionais nem da cr�tica de
cinema brasileira (nem a tradicional nem a dos "novos cr�ticos").
Esteve sempre num lugar � margem, mesmo � margem desse circuito alternativo que
hoje cada vez mais se institucionaliza. A verdade � que a MFL sempre foi
menosprezada, pois a humildade de sua proposta nunca foi entendida de fato
pelos que buscam os corredores do cinema como instrumento de poder. A mostra
nunca quis ser acad�mica nem nunca quis ser popular. Mas, vendo em retrospecto,
tenho um certo orgulho dessa independ�ncia. Destacamos tamb�m grandes
personalidades do cinema brasileiro, porque somos herdeiros de um cinema de
resist�ncia: Tonacci e Rosemberg s�o os que hoje ressurgiram em visibilidade,
mas tamb�m Jos� Sette, Elyseu Visconti e tantos outros.
����������� Hoje
o cen�rio da produ��o audiovisual brasileira e das mostras de cinema
independente � muito mais s�lida do que h� quinze anos. Mas vejo nisso um
risco. Vejo uma certa acomoda��o, uma certa in�rcia. Uma doen�a do sono. Esse
circuito est� cada vez mais apontando para um cen�rio de "risco calculado".
Com as fant�sticas conquistas do Fundo Setorial do Audiovisual da ANCINE, agora
cada jovem realizador quer fazer o seu projeto de desenvolvimento, montar a sua
empresa produtora para ganhar seu primeiro milh�o com seu "n�cleo
criativo". Os v�deos de curta-metragem para conseguirem ser exibidos nos
festivais de cinema precisam dialogar com uma s�rie de conceitos curatoriais
pr�-definidos. A cr�tica de cinema na internet vem definhando. O primeiro
milh�o agora � cada vez mais acess�vel, ent�o let�s go, "vamos a ele". E tudo tem o seu pre�o. Os antigos
garagistas agora brindam nos festivais internacionais, tentando negociar com os
sales agents. Enquanto o pa�s
fervilha e os jovens v�o �s ruas buscando entender e se arremessar ao mundo,
sinto que a maior parte dos realizadores que mais propuseram um cinema de
inven��o h� quinze anos agora querem pagar suas contas, viajar para os
festivais internacionais e batalhar pelo seu milh�o. O cinema ficou em segundo
plano em rela��o �s estrat�gias de poder.
����������� Ainda
assim, sinto que o cinema independente brasileiro permanece com seus momentos
de muita puls�o. Enquanto uma gera��o envelhece, outra surge ainda mais jovem.
Fico comovido como obras como FILME DE ABORTO, de Lincoln P�ricles, ou o curta CORA��ES
SANGRANTES, de Jorge Polo, sinalizam para esses sentimentos de juventude, de
ousadia e de esperan�a, por meio de uma linguagem pura, que n�o esteja contaminada pelo "com�rcio de arte",
pelo desejo de "sucesso instant�neo", ou de repetir as f�rmulas das
curadorias pr�-formatadas e dos festivais internacionais. Porque s�o filmes
colaborativos cheios de raiva, de ang�stia, de solid�o, mas sobretudo de
desejo. S�o os vagalumes que continuam piscando, seja no meio da escurid�o seja
diante dos holofotes do "cinema de grife".
����������� Tenho
a profunda esperan�a que este texto ecoe e que, algum dia, algu�m no futuro
ainda possa l�-lo, como um n�ugrafo ao encontrar uma garrafa lan�ada ao mar. Gostaria
de escrever mais, mas n�o posso, n�o conv�m. � preciso ler nas entrelinhas. A
MFL completa 15 anos e me parece que estamos todos dominados pela doen�a do
sono. Querem nos dizer que tudo t� tranquilo t� favoravel. S� que n�o.....