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Debate com os Novos Mineiros na MFL 2009

Hoje as 20h no cinema do CCBB, curtas seguidos de debate com os 4 realizadores mineiros., Gabriel Sanna, Igor Amin, Joacélio Batista e Vinicius Cabral.

Quando a geografia é um detalhe

Quatro realizadores, diversas obras audiovisuais e uma possível constância geográfica: Minas Gerais. Não, não apelarei para o discurso da “mineiridade” (que às vezes tem nas entrelinhas aquele outro péssimo discurso da “brasilidade”) tão comentado, criticado e revisto por autores como Mario de Andrade, Frederico Morais, dentre outros. O que rascunharei aqui são algumas observações feitas a partir da apreciação dos vídeos selecionados por estes quatro jovens realizadores para suas próprias sessões. Enquanto assistia-os, constatei que existem diálogos para além da geografia entre as suas obras; alguns tópicos insistem em aparecer nas suas poéticas e são trabalhados formalmente de modos variados.

Já tendo tocado na questão “geografia”, devido ao fato destes quatro diretores terem produzido parte de sua obra em Minas, parece justo começar lançando luz sobre “explorações geográficas” constantes a suas obras. Três delas podem ser lidas a partir da relação “Brasil e exterior”, ou seja, temos brasileiros inseridos em espaços e culturas alheios aos seus. “Artifícios do olhar”, de Joacélio Batista e Pablo Lobato, no lugar de simplesmente jogar seu olhar para os habitantes da África do Sul, dá, literalmente, a câmera em suas mãos e uma chance para que eles possam se olhar (“parece um espelho”, diz uma senhora) e que possamos olhá-los. Crianças, trabalhadores, idosos, negros e brancos; todos têm a oportunidade de criar intimidade com a câmera de vídeo. Em “O estrangeiro”, de Gabriel Sanna, temos a repetição das luzes e movimentos dos carros de Tóquio contrastados com extratos de “música popular brasileira”. Um homem em um hotel que faz um auto-retrato em frente a um espelho. Se na primeira obra temos a representação de um ambiente mais “rural”, pelas mãos de Sanna deparamo-nos com a megalópole que é Tóquio.

Em outra de suas obras, “O crepúsculo dos ídolos”, este opta por fazer um documentário mais “observacional”, silencioso, sobre um estádio de futebol. Diversos ângulos são escolhidos e fruímos a arquitetura deste de forma inusitada, sem torcedores, sem grande espetáculo. Santa Cruz é o nome do estádio (templo), o espaço religioso do futebol que está vazio. Falando em religião, "Os cantos da casa”, de Vinicíus Cabral, temos a exploração de um espaço mediada por uma simpática mãe-de-santo que explica para a câmera quais os termos, funções e possibilidades de filmagem daquela arquitetura aparentemente simples que vai sendo mostrada. Enquanto isso, em outro momento, aquele grupo de pessoas vestidas de branco dança e canta. Parece constante a todos estes objetos audiovisuais a relação entre realizador, alteridade cultural e paisagem.

Marcante é a opção de, literalmente, assumirem a direção de seus vídeos. Muitos deles contam com a forte presença (e co-direção, talvez) dos amigos e familiares daqueles que sustentam as câmeras e assinam estas obras. Gabriel Sanna explicita isso no próprio título de seu “Plano seqüência para surtar os amigos”, em que observamos um cover de Radiohead, cerveja, cigarros e um possível apartamento. Do mesmo princípio são os protagonistas de seu “Relações afectivas com o Tejo” ou de “Diferença ou repetição (os senhores do anel)”, em que Dudu lança lama sobre o tio Oiticica e os (muito) sensíveis vídeos que querem dialogar com as artes plásticas. A auto-inserção do diretor em “1991”, através de imagens de arquivo, marca contraponto a esta produção de uma geração mais “20 e poucos anos”.

Inserindo-se, pelo viés da voz, há “Entre o terreiro e a cozinha”, de Joacélio Batista, belo retrato conjunto de uma avó e seu neto. Sobre o cozinhar em conjunto e a cultura oral e seu registro através de imagens em movimento. É possível ler ainda certo ensaio sobre a genealogia, em especial quando deparamo-nos com a senhora idosa a abater uma galinha, ou seja: um mais jovem gravando a imagem da mais velha, mais próxima ao próprio abater-se. De forma também a homenagear os pais de nossos pais temos “Watergrandma” e “Divergrandpa”, de Igor Amin. Avós, água e um robô como narrador. “Ele é como um Windows para mim”, diz este sobre o seu avô. Seguindo por uma movimentação de câmera e edição um pouco menos rígidas e baseadas no discurso oral de seus filmados, Vinicius Cabral utiliza-se de amigos nos seus “Abatedouro” e “O ato libertário”. No primeiro temos figuras carimbadas dos festivais de cinema opinando sobre a vida e a morte de vacas, ao passo que no segundo temos a divertida aparição de Débora Marianno, que incentiva a libertação individual através do simples ato de estourar objetos banais, remetendo-nos imediatamente à nossa rebeldia infantil/adolescente.

A tal simplicidade tanto deste último vídeo quanto dos objetos sob os quais as pessoas pisam não nos faz esquecer da palavra “libertário” em seu título. A documentada principal chega mesmo a debater com Vinícius sobre a atribuição deste adjetivo aos seus atos. Seria este o mais adequado? Com um sim ou com um não, parece ser inevitável a leitura deste por um viés mais político, da mesma forma como quando deparamo-nos com “Vídeo terrorismo (vídeo terrorism)”, do mesmo diretor, em que as (já) tradições da Al Qaeda são relidas e contrastadas com um debate livre via telefone entre conhecidos acerca da sociedade atual. “Free tibet”, do mesmo em parceria com Igor Amin, também se utiliza de estrutura semelhante, mas já para problematizar a relação entre religião e atos extremos quanto ao território oriental cuja figura central é o Dalai Lama.

As galinhas mortas em seu outro vídeo viram uma metáfora para aqueles que ainda insistem em ver televisão “O relacionamento entre a mídia e sua audiência”, de Joacélio Batista. Simples, eficiente e intrínseco ao comportamento destes pássaros, o diretor pega o caminho oposto à verbalização e trabalho de som explorados por Igor Amin e Vinicius Cabral em algumas de suas obras com cunho de crítica social ou mesmo por Gabriel Sanna no já citado “Diferença ou repetição”, em que os pareceres são construídos especialmente pelas frases de efeito soltadas por um de seus registrados. Na obra de Joacélio o riscar o chão serve como símbolo para a televisão e seu poder hipnotizador. Nem a presença de outro penáceo é capaz de subverter o olhar daquele que já foi subvertido.

Também com animais como protagonistas, desde o seu título, existe o “Cães da vizinhança”, de Gabriel Sanna, que pode ser fruído ao lado de seu “Enfim sós”. Dois personagens, um momento de isolamento entre os mesmos (seja pelo telefone, seja pela presença conjunta em uma rua). Homem e mulher, desejo e rejeição. Durações menores, imagens que se repetem e uma trilha que se desenvolve lentamente. Com vídeos de menor duração, chegando a um minuto, Igor Amin dedica-se a pesquisar um formato mais próximo às vulgas “vinhetas”, mas sem deixar de lado suas objetivas e ácidas críticas sociais: sobre a fome, o World Trade Center e a automatização das relações humanas. Vinícius Cabral dialoga com seu parceiro de vídeos e coloca a bunda feminina em primeiro plano: arte e pornografia podem estar juntas? A sacralização da bunda a elevaria ao estatuto artístico ou a banalização da arte que seria a responsável por isto?

Por fim, nada parece mais justo do que constatar como novos realizadores que pretendem (e têm) suas obras já comentadas e institucionalizadas realizem releituras de outros há muito consagrados ou igualmente em atual destaque no circuito dos festivais. Em “Pescaria”, Joacélio Batista vai longe a fazer uma breve curadoria composta pelos grandes nomes da dita abstração geométrica: Paul Klee e Piet Mondrian. Por outro lado, apelando para uma paisagem gélida, ao ver “Lejos” não consegui abstrair da lembrança de “Man. Road. River.”, de Marcellvs (um mineiro, por coincidência): câmera estática, a paisagem, o desaparecer, o seguir em frente. Gabriel Sanna e Igor Amin relêem obras audiovisuais ainda mais recentes. O primeiro a faz na edição: filmado em 2007, em Portugal, “Incidente” tem como cenário um trem, da mesma como forma “Ocidente”, de Leonardo Sette, filme que segue percorrendo os festivais brasileiros. Resultado: Sanna resolveu finalizar seu até então material bruto (ou “material caseiro”) após a apreciação do curta de Sette. Enquanto isso, Amin dialoga com outros realizadores pernambucanos, da TV Primavera, responsáveis por, inclusive, um vídeo homônimo ao mineiro: “Amin”, a ser exibido em nossos panoramas livres desta edição da MFL.

Os resultados das pesquisas artísticas dos quatro realizadores aqui pinçados apontam para diversos lados e, obviamente, são maiores e mais expressivos do que as palavras dispersas por esse curto texto. Cada um deles mereceria um olhar mais apurado, atento aos detalhes de imagem e som, e crítico o bastante para estabelecer mais diferenças e semelhanças entre suas formas – trabalho este longo e que foge ao espaço deste catálogo. Por outro lado, espera-se que estas linhas intriguem minimamente o leitor e façam com que este marque presença nas cinco sessões de nossa retrospectiva tendo em mente os recortes de diálogos que estabeleci e com um olhar livre para a criação de outras relações com outros realizadores mineiros, brasileiros ou não. Enfim: que a geografia torne-se um detalhe questionável, mas que os une, em vez de um rótulo homogeneizante. (Raphael Fonseca)
 

As sessões Novos Mineiros serão sempre as 19h na sala de vídeo do CCBB Rio. Sessão com curtas seguida de debate na sala de cinema dia 24, sexta, as 20h.









Mostra do Filme Livre 2011
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